quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Félix

De vinte lâmpadas que contornam o espelho,
Apenas Duas ainda produzem luz.
Uma a cada lado dividem o árduo fardo,
De Iluminar o rosto do velho palhaço.

Suavemente a maquiagem gasta se espalha.
No branco, o fundo da tela, o contraste para as cores.
As sobrancelhas são destacadas com uma grande faixa azul,
E na boca, a soberania do vermelho.

Quanto menor for a alegria,
Maior sera o tamanho e a intensidade do sorriso.
Desenhado com perícia em cada detalhe,
Alongado nas extremidades,
E afinado delicadamente nas pontas.
Está pronto.
O coadjuvante daquele rosto.
O falso sorriso de uma falsa alegria.

Por fim, no centro de tudo,
A identidade, a alma do artista,
O motivo da Piada,
O nariz do palhaço.

Uma peruca amarela fecha o conjunto de cores primarias.
Três cores animadas que principiam mil nuances.
Mas que, se unidas, resultam,
No desgraçado por sua falta de graça,
Marrom.

Marrom como os opacos olhos,
Que tanta maquiagem não foi capaz de esconder.
E no marrom sem graça daqueles olhos,
É exibida claramente,
A pouca felicidade daquela face pintada.

Sempre acontece a mesma desintonia
O rosto todo em um testemunho de alegria,
Traído por duas pequenas esferas,
Que revelam o fraco interior.
Como se fossem janelas.

A Fantasiosa solução,
Aparece e se esvai com a mesma precisão.
Lastima não haver pó ou tinta,
Para esconder,
Ou até camuflar,
A incompleta composição daquele olhar.

E assim mesmo,
Com uma alegria de guache.
E com a infelicidade declarada, descarada na mirada.
O palhaço segue para o picadeiro.

O show não pode parar.
Anúncios empolgados se trançam no ar.
Luzes, Som, Expectativa e magia,
Mesclados exageradamente naquela grande farsa.

O palco escurece.
Por uma entrada lateral ele desliza silencioso para o centro.
É iluminado por um canhão de luz,
E humilde. Começa seu truque.

O mais simples, bobo e infantil.
Truque de seu repertorio.
Mas a platéia incendeia em risadas e aplausos.
E é iluminada pelos refletores frontais.

Uma multidão de crianças amontoadas,
Foi iluminada por luzes artificiais,
Que destacam o brilho natural, que há,
Nas gargalhadas dos pequeninos.

Elas sorriem diferente,
Movem-se diferente,
Expressam-se diferente.
Algo lhes carece. Algo lhes é deficiente.

Percebe-se que no diferente,
Está estampado o especial.
Não pela dependência de cuidados,
E sim pela luminosidade contida no olhar e no sorrir.

Surpreendido por tão bela platéia,
O palhaço recua um passo.
E tropeça em seu grande sapado.
O estrelado publico cai em um frenesi de risadas.

E o palhaço se entrega ao espetáculo.
Uma cambalhota, uma pirueta.
Parara, paratim, patimbum.
Quidam, quidam.

A possibilidade de uma despedida,
Quase se extingue, na ansiedade do publico sedento de piadas.
Mas, o ultimo tilintar dos pratos da bateria,
Anuncia o fim da atração mais amada dentre a trupe.

Ele se despede.
E passados três passos,
Seus olhos enchem de lagrimas.
Não há como segurar, não há como entender.
Apenas, acontece.

Novamente de frente ao espelho,
Nem a falta percebida de luz,
Nem a maquiagem terrivelmente borrada.
Poderiam nublar a felicidade do ambiente.

Com algodão e creme,
Desprende toda a tintura da tela.
Que é ocupada por um rosa de flor de cerejeira
E destacada por um olhar infantil.

Havia um sorriso falso desenhado naquele rosto
E foi desmanchado.
Os truques ensaiados ficarão guardados na peruca amarela.
E novamente uma simples face enrugada,
É novamente uma face feliz.

Não há como maquiar felicidade em olhos de vidro.
Felicidade não se desenha, não se colore.
Felicidade se recebe, se doa,
Compartilha.

Quanto menor a mascara
Na face do palhaço,
Mais ira reluzir,
A felicidade do homem por detrás do nariz.

Rir é alegria.
Fazer rir é felicidade.

Em uma caixa velha,
Dezoito lampadas queimadas,
que foram trocadas.

Um comentário:

Unknown disse...

Meu Deus...

é perfeito, por assim dizer.
completo, tem tudo, tudo de mais lindo e precioso que ja li.

fiquei sem palavras, mas ainda assim, nao pude deixar de vir, de comentar, elogiar.
e por mais que eu escreva milhoes de palavras...nenhuma delas poderia expressar o que eu senti enquanto desfrutava desse espetaculo poetico.

so posso dizer que te amo, por essas e outras; e por me fazer ver o melhor que ha em voce.