sexta-feira, 28 de novembro de 2008

No Meio Da Noite - Trovão

Sou acordado por um trovão.
No desaconchego do susto, em busca de algum sinal de consciência, tento saber se o trovão foi um sonho ou não.
A movimentação na casa. As vozes que cochicham no quarto ao lado, convencem-me de que o fenômeno foi de fato real.

Já mais calmo, passo a ouvir a chuva bater com força na janela. A violência da água parece reproduzir o tremor daquele grito do céu.
Estou só na habitação.
Após Olhar para ambos os lados, percebo que meu coração ainda esta batendo rápido. O susto me deixou um eco maior que o do som. Se criança, certamente iria para a cama dos pais desfrutar da sensação de proteção que sua presença emana.

Deito a cabeça no travesseiro Na tentativa de dormir. Mas parece que algumas palavras foram gravadas em minha mente e se repetem sem parar. Não posso entender o que é. Mas ainda assim não paro de ouvi-las.

Mais um tremer de trovão.
Mais um susto.
É como acordar, mesmo já estando acordado.
É como pensar que o trovão foi um recado da tormenta.
É como perceber que ali, no meio de todo aquele barulho, daquele ruído grave e rouco, estão escondidos os reclames do céu.
É como uma voz oca.
É como sentir que o mundo usa de seu poder para nos alertar. Mas só consegue nos tocar através do medo e do susto.
Frustra-me não entender as palavras do trovão. O canto do vento. O cair sonoro da chuva.
Mas ainda assim eu tento sentir.
Ainda sem entender o que diz, tudo aquilo parece me envolver.
E sinto crescer em mim uma vontade de entrar em contato direto com toda aquela sinfonia de sensações.
Me imagino tocando a terra macia e molhada, o cheiro que sai quando entro com as mãos nela.
Me vejo dançando ao compasso da chuva. Rodando sem parar e batendo com os pés nas poças.
Abrindo os braços no topo de uma montanha, de onde vejo toda a serra. E Sentir a suavidade do vento em todo meu corpo e alma.

Sem mais, durmo.
E sonho que na natureza esta tudo o que quero encontrar. E que com trovões fortes a terra implora que eu volte o olhar para ela.


Terra minha mãe.
Minha filha.
Terra, ela.
Terra, eu.
Saudades da Terra.
Saudades de mim.

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Presença

No detalhe da flor no azulejo.
No encaixe perfeito da porta no portal.
Do portal na parede.
E da parede na sala.
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Nas chamas desenhadas na madeira da mesa.
Nas cores das flores dos vasos do balcão.
No prato da frente. Na mesa para dois.
No casal de talheres a mais que descansam nas laterais.
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Na taça vazia.
No vinho fechado.
Na Paisagem estática observada no quadro.
Na vela acesa e apagada.
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Na espera. Na esperança,
Na crença. Na confiança.
A presença pressentida do futuro encontro.
A alegria ansiosa e vaidosa.
Esta em tudo.
Em tudo estás.
Cada parte mínima que me rodeia,
Ainda inspira, espira e transpira você.
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Não é seu rosto gravado nas paredes.
Não é seu perfume que recusa deixar o ambiente.
O cálido canto silencioso da casa,
Sinfoniza algo bem maior.
.
A melodia muda é uma dança de imagens.
Pergunto-me se seus passos estarão nessa dança.
.
O relógio anuncia o fim da noite.
Você não veio.
Os pratos são recolhidos.
A vela Guardada.
A cadeiras encaixadas na mesa.
Fecho as cortinas da janela.
E dentre elas, vejo sua silhueta
Passar apressada pelo jardim.
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Eu sorrio.
E mesmo sabendo,
Que é apenas uma brincadeira das luzes da lua.
Vou dormir feliz.
.
Antes de deitar,
Vejo e beijo,
Seu retrato posto na lateral da cama.
Seu retrato Posto.
Seu Retrato Póstumo.
Você é ainda tão jovem na fotografia.
.
Amanha lhe esperarei para o jantar.
Servirei seu prato preferido.
Naquela louça especial que nunca usamos.
.
Nunca usaremos.
.
Sinto muito a sua falta.
Mas sinto ainda mais a sua presença.
.
Eu,
E toda a casa.
.
Saudades.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Lar na noite.

Se não estás completa no dia, então deixa a noite aconchegar.
Deixa guiar, Viajar. Esperar chegar.
Deixa sonhar.
Deixa a noite brincar de te tornar feliz.

Deixa Sonhar.
Deixa, pois sonhos muito sonhados são mais reais do que realidades sem amor, sem prévio sonho.

Deixa a lua te beijar.
Deixa um véu de luz bater na cabeceira.
Deixa a manta cobrir.
Deixe-se descobrir.
Deixe-se viver.
Deixe-se dormir.


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Félix

De vinte lâmpadas que contornam o espelho,
Apenas Duas ainda produzem luz.
Uma a cada lado dividem o árduo fardo,
De Iluminar o rosto do velho palhaço.

Suavemente a maquiagem gasta se espalha.
No branco, o fundo da tela, o contraste para as cores.
As sobrancelhas são destacadas com uma grande faixa azul,
E na boca, a soberania do vermelho.

Quanto menor for a alegria,
Maior sera o tamanho e a intensidade do sorriso.
Desenhado com perícia em cada detalhe,
Alongado nas extremidades,
E afinado delicadamente nas pontas.
Está pronto.
O coadjuvante daquele rosto.
O falso sorriso de uma falsa alegria.

Por fim, no centro de tudo,
A identidade, a alma do artista,
O motivo da Piada,
O nariz do palhaço.

Uma peruca amarela fecha o conjunto de cores primarias.
Três cores animadas que principiam mil nuances.
Mas que, se unidas, resultam,
No desgraçado por sua falta de graça,
Marrom.

Marrom como os opacos olhos,
Que tanta maquiagem não foi capaz de esconder.
E no marrom sem graça daqueles olhos,
É exibida claramente,
A pouca felicidade daquela face pintada.

Sempre acontece a mesma desintonia
O rosto todo em um testemunho de alegria,
Traído por duas pequenas esferas,
Que revelam o fraco interior.
Como se fossem janelas.

A Fantasiosa solução,
Aparece e se esvai com a mesma precisão.
Lastima não haver pó ou tinta,
Para esconder,
Ou até camuflar,
A incompleta composição daquele olhar.

E assim mesmo,
Com uma alegria de guache.
E com a infelicidade declarada, descarada na mirada.
O palhaço segue para o picadeiro.

O show não pode parar.
Anúncios empolgados se trançam no ar.
Luzes, Som, Expectativa e magia,
Mesclados exageradamente naquela grande farsa.

O palco escurece.
Por uma entrada lateral ele desliza silencioso para o centro.
É iluminado por um canhão de luz,
E humilde. Começa seu truque.

O mais simples, bobo e infantil.
Truque de seu repertorio.
Mas a platéia incendeia em risadas e aplausos.
E é iluminada pelos refletores frontais.

Uma multidão de crianças amontoadas,
Foi iluminada por luzes artificiais,
Que destacam o brilho natural, que há,
Nas gargalhadas dos pequeninos.

Elas sorriem diferente,
Movem-se diferente,
Expressam-se diferente.
Algo lhes carece. Algo lhes é deficiente.

Percebe-se que no diferente,
Está estampado o especial.
Não pela dependência de cuidados,
E sim pela luminosidade contida no olhar e no sorrir.

Surpreendido por tão bela platéia,
O palhaço recua um passo.
E tropeça em seu grande sapado.
O estrelado publico cai em um frenesi de risadas.

E o palhaço se entrega ao espetáculo.
Uma cambalhota, uma pirueta.
Parara, paratim, patimbum.
Quidam, quidam.

A possibilidade de uma despedida,
Quase se extingue, na ansiedade do publico sedento de piadas.
Mas, o ultimo tilintar dos pratos da bateria,
Anuncia o fim da atração mais amada dentre a trupe.

Ele se despede.
E passados três passos,
Seus olhos enchem de lagrimas.
Não há como segurar, não há como entender.
Apenas, acontece.

Novamente de frente ao espelho,
Nem a falta percebida de luz,
Nem a maquiagem terrivelmente borrada.
Poderiam nublar a felicidade do ambiente.

Com algodão e creme,
Desprende toda a tintura da tela.
Que é ocupada por um rosa de flor de cerejeira
E destacada por um olhar infantil.

Havia um sorriso falso desenhado naquele rosto
E foi desmanchado.
Os truques ensaiados ficarão guardados na peruca amarela.
E novamente uma simples face enrugada,
É novamente uma face feliz.

Não há como maquiar felicidade em olhos de vidro.
Felicidade não se desenha, não se colore.
Felicidade se recebe, se doa,
Compartilha.

Quanto menor a mascara
Na face do palhaço,
Mais ira reluzir,
A felicidade do homem por detrás do nariz.

Rir é alegria.
Fazer rir é felicidade.

Em uma caixa velha,
Dezoito lampadas queimadas,
que foram trocadas.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Fé, Fere.


E se já não mais sobre a vida.
Se já não for sobre amor ou a falta dele.
Se não mais por medo, aflição ou solidão.
Não por isso, o que escreverão os poetas?


Ó, pessoas infelizes. Ó, visão invejável.
Pobre mente, caixa de pandora
Aberta e materializada em tinta de caneta.
Miserável vida. Nobre vista.

Saliência da humanidade. Destaque da pedra.
Ponta que fere. Ponta que sangra.
Que sente o calor do corpo, mas não do seu.
Que sente o amor do outro, mas não o seu.
Que sente a felicidade e a alegria, mas não a sua.

Ó, vau da fenda desse deserto.
Sois, pois tu, realidade do que escreves.
Torna-te aquilo que sonha para todos.
Nasça para o mundo lhe ser servo.
Seja o humilde rei de vosso universo.

Ó, deleite das letras.
Transpareça sua alma alem das folhas.
Vivencie uma linda ficção em vida
E ficcione as realidades em linhas.

Poderá não lhe parecer tão romântico
E até menos belo do que o cinza diurno.
Porem, o que o impede de tentar?
Não é preciso muito.

Apenas descrede nos mitos.
Descrede que és a ponta que fere da pedra.
Percebe que desde o inicio as lindas historias eram suas.
Que es o sol que nasce para o mundo.
Que es um valor em demasia.

E quando não mais saber em que crer ou descrer.
Estarás então, já nos delírios do seu maior tesouro.
Adentro do baú que lhe mostrara em reflexos,
Que a mais bela face da alvorada é a sua.
Que assim como os outros,
Você também poderá contar contigo
.